Seja bem vindo(a) ao nosso blog!

domingo, 26 de outubro de 2008

Mesmo depois do Fome Zero Guaribas vive situação de risco

De certo que fiquei constrangida com o convite de dona Bertolinia Lopes Santos, 68 anos, para sentar na encardida cadeira de plástico branco, não que a sujeira me incomodasse, o constrangimento foi ver que o assento era o único da casa, além de uma surrada mesa de madeira e uma “bilheira” com dois potes e alguns gastos copos de plásticos.
Logo entendi que a falta de conforto não era problema na vida dessa sertaneja, quatro filhos e quatro netos, o que mais lhe aflige é a fome que sempre rondou o miserável e inóspito lugar onde mora, povoado Barreiros, localizado no município Guaribas, a 887 quilômetros de Teresina.
Não seria irônico se Guaribas não estivesse no centro da concepção de um projeto governamental para diminuir a pobreza no Brasil. Tudo começou em 2003 quando o recém eleito presidente Lula escolheu a cidade com os piores índices de desenvolvimento do país para promover uma transformação social e mostrar como exemplo de que é possível acabar com a fome no Brasil. De repente, do nada, a miserável Guariba virou um canteiro de obras, chegaram os programas sociais que pagavam até pra quem queria estudar, foi dinheiro pra quase tudo o que a cidade precisava. Nunca uma cidadezinha do interior do Brasil recebeu tantos ministros de uma só vez.
Passado a euforia do crescimento os guaribenses voltaram à realidade e perceberam que o plano de governo desabou pouco antes de iniciado. Resultado: quase seis anos depois os índices do município continuam sendo os mais baixos do país.
A mortalidade infantil cresceu, as matriculas escolares diminuíram consideravelmente e as pessoas ainda se alimentam pouco, a maioria não tem acesso à água potável, energia, trabalho e renda. Tanto é verdade que o partido do presidente e do governador do Piauí, Wellington Dias, o PT, não conseguiu eleger seu candidato a prefeito. Barreiro, um dos quatros povoados do município, fica a esmo entre as monumentais serras que circundam o Parque Nacional Serra das Confusões em meio à vegetação de Caatinga e os paredões da serra. A terra é vermelha, requeimada e áspera Nesta época do ano o chão se encontra estorricado as árvore estão nuas, enquanto os espinheiros crescem livremente. A água disponível é somente para matar a sede e cozinhar. Banho é puro luxo, também não há de fazer falta devido o aspecto que a água adquire no buraco ao longo dos meses de seca, quando se mostra com uma tonalidade marrom arroxeada, grossa e viscosa.

Fome diminuiu e a agricultura também
As adversidades naturais do lugar impedem o cultivo de variedades de culturas agrícolas. O único grão que brota é o feijão, mesmo assim, muito pouco devido à chuva que dura apenas em torno de dois meses. Assim vivem 18 famílias guaribenses, no mais absoluto abandono da sociedade e do poder público. Histórias como o de dona Maria Rosa uma sofrida roceira de 68 anos, que não caminha devido a um inchaço na perna, é de causar indignação. A pobre senhora de pele grossa e rosto marcado por profundas rugas entrelaçadas, revela no semblante dor e desespero atribuídos a doença que se abateu no seu fraco corpo. Já não anda mais e passa os dias recolhida no fundo de uma rede a espera de alguém que possa lhe arrastar até um surrado banco encostado na porta do minúsculo casebre escuro, para que possa contemplar a pacata vida do lugarejo. Vencida pela dor Maria Rosa já não nutre esperança. “Não tem mais jeito. Veja como está”, diz com a voz trêmula enquanto levanta a saia esmolambada e exibe uma mancha avermelha e inchada na coxa direita.
Diz que está cansada de lutar por dias melhores que não vêm mais que agora só pensa na família. Aproveita e nos pede para conseguirmos umas “roupinhas” para os netinhos. “Coitados, só tem a muda de ir pra escola. Quando voltam tiram e ficam nus até o outro dia na hora de voltar”, justificava a avó apontando para quatro crianças com as barrigas crescidas, olhares paralisados, postadas silenciosas e encostadas na parede de barro. A despedida apertou-me o coração. Não havia nada a fazer para aliviar o desespero da miserável família. Por um instante, a promessa das roupinhas para os netos reascendeu aqueles olhos fundos e sem brilho. O sol estorricava a terra quando voltei para a casa de dona Bertolinia. Tão logo entro para a espirituosa senhora lembrar-me da última vez que ali estive em 2002, em seguida penetra na cozinha. Subitamente veio a lembrança do triste dia quando naquele chão mais de dez crianças disputaram uma porção de farinha molhada colocada por dona Bertolínia para mostrar-me a fome na comunidade. Nitidamente revi a cena de crianças menores chorando por não ter conseguido um punhado da farinha na disputa travada em um prato de alumínio no chão. Também não esqueço que naquele instante soube que havia pelo menos dois dias que ninguém no povoado se alimentava. As lembranças desaparecem com o retorno da mulher exibindo uma garrafa de café com um largo sorriso, percebendo minha surpresa ao ver o alimento, dona Bertolínia se justificou.
“As coisas mudaram por aqui. De certo que ainda se passa fome mais é menos. Aqui em casa mesmo a gente come mais. Não é o suficiente mais se come e isso graças ao Bolsa-Família. Aqui agora todo mundo come pelo menos 27, 28 dias no mês.

Falta d'água ainda aflige povo de Guaribas
Enquanto o fantasma da fome vai se afastando lentamente, a maldita da sede ainda persegue os guaribenses. Na única cacimba disponível para a comunidade, a água ganhou um aspecto caudaloso e amarronzado, na verdade, não passa de uma porção de lama que fica cercada para não ter que ser dividida com os animais.
Quando boto os olhos no barreiro entendo porque a gente do lugarejo vive coberta de poeira vermelha, por sorte a Cáritas instalou cisternas nas casas, embora a maioria tenha rachado - serviço mal feito –. As que resistiram estão apenas com alguns centímetros de água. Num gesto repentino destampei a caixa e vi no interior escuro que havia um líquido esverdeado e viscoso que precisa durar até dezembro.
“É tudo o que temos para beber até as chuvas chegarem”, adiantou Vagner Lopes, 27 anos. O jovem leva a vida desesperançoso, sem sonhos, diz que até tentou estudar mas foi vencido pelo sacrifício de percorrer 36 quilômetros por estradas inexistentes. “Saia da escola às nove e só chegava 1 hora da manhã”.
O pouco que sabe sobre direitos humanos leva-o a se maldizer dos políticos. “Prometeram um poço pra nós desde que sou criança”, comenta sem saber responder o que realmente acontece.
A condição de levar a vida na escuridão do adormecido Barreiro parece não incomodar tanto aquela gente que não conhecem o mais elementar dos confortos do homem contemporâneo, a energia.
Tudo que podem contar é com o clarão indeciso das lamparinas. “Vamos ver se o novo prefeito vai conseguir trazer energia pra cá”, diz esperançosa a ingênua esposa de Vagner que nada sabe sobre a malícia dos políticos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário