Alguns dos ganhadores do último pleito estão na cadeia.
Entidade quer projeto para dificultar eleição desse tipo de candidato.
Um dos resultados mais surpreendentes nas eleições que aconteceram no último domingo, em todo o Brasil, é a eleição de candidatos com “ficha suja”. Dos 75 vereadores que tinham algum problema com a Justiça, 37 foram reeleitos; dos 126 prefeitos e vice-prefeitos com “ficha suja”, 45 vão - ou estão tentando - continuar no cargo. Alguns deles estão na cadeia.
Casa de Custódia da Polícia Civil: este é o atual endereço do vereador eleito com a quarta maior votação para a Câmara de Maceió (AL). Luiz Pedro da Silva - mais conhecido como cabo Luiz Pedro - teve quase 9 mil votos sem sair da cadeia.
Luiz Pedro está atrás das grades há quase um ano, indiciado por ser o suposto mandante do assassinato de um desempregado na periferia da cidade em 2004. “É fácil demais julgar e condenar antes de ir a julgamento", diz o policial civil/vereador eleito.
Se tiver autorização da Justiça para deixar a cadeia por algumas horas, Luiz Pedro poderá ser diplomado e até empossado. Mas, se continuar atrás das grades, vai ficar impedido de atuar como vereador e ainda correr o risco de perder o mandato.
"Com a Câmara tendo suas atividades normais a partir de 15 de fevereiro, ele (Luiz Pedro) começa a ter faltas. E tem um número de faltas a partir do qual ele poderá perder o mandato”, explica a procuradora jurídica da Câmara Josefa Malafaia.
Despachos da cadeia
Artur Queiroz Neto, de 23 anos, prefeito interino de Juscimeira (MT), no interior do Mato Grosso, despacha da cadeia. Artur é o terceiro prefeito a tomar posse este ano em Juscimeira. O eleito em 2004 foi Denner Araújo Chaves, afastado do cargo por improbidade administrativa.
Há oito meses a prefeitura está na UTI. Toda a administração funciona em um hospital. Isso aconteceu porque o ex-prefeito deixou de pagar a conta de energia elétrica do antigo prédio, quando a dívida passou dos R$ 4 milhões. Os funcionários ficaram no escuro.
O sucessor natural do prefeito afastado seria o vice-prefeito Edvaldo Araújo. Ele não pôde assumir o cargo porque entrou em depressão. “O médico disse que olhando no meu semblante estava evidente que eu estava com a saúde comprometida”, diz Araújo.
Diante do impedimento do prefeito e do vice, o presidente da Câmara foi chamado a assumir a prefeitura. O problema é que ele estava na cadeia. O motivo da prisão: ele foi flagrado fazendo transporte ilegal de eleitores. "Eu venho fazendo alguns despachos, não todos porque estou impossibilitado, preso", explica Artur Queiroz Neto.
Já o prefeito eleito de Porecatu (PR), Walter Tenan, ainda não sabe se vai poder ir à posse no dia 1º de janeiro. Ele está preso desde 11 de setembro, investigado pelo crime de contrabando.
Decisão judicial
O que é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem a dizer sobre a eleição dos candidatos de ficha suja? O presidente do órgão diz que não concorda com o fato, mas é obrigado a acatar a lei.
“Segundo o Supremo Tribunal Federal, a vida pregressa do candidato, mesmo que permeada de senões éticos e morais, não é condição de elegibilidade. Eu não penso exatamente assim, mas o Supremo decidiu. Nessa medida, enquanto não sobrevém a medida penal definitiva, ou seja, aquela que não caiba recurso, o candidato conserva seus direitos políticos e sua condição de elegibilidade”, explica o presidente Ayres Brito.
No Rio de Janeiro, Carminha Jerominho, depois de passar 40 dias num presídio de segurança máxima, teve uma comemoração dupla neste fim de semana: da liberdade e da vitória nas urnas. Ela conseguiu mais de 22 mil votos e se tornou vereadora eleita da cidade do Rio de Janeiro. A festa durou um dia inteiro.
Carminha foi presa em agosto na Operação Voto Limpo da Polícia Federal. A família da candidata eleita é acusada de comandar a maior milícia do Rio, que controla favelas e comunidades pobres. O pai, vereador, o tio, deputado, e o irmão, ex-policial militar, continuam presos.
O Ministério Público diz que Carminha tinha sido escolhida para ser o novo braço político da milícia. Carminha Jerominho foi a primeira mulher a ocupar o presídio de segurança máxima de Catanduva, no Paraná, reservado para presos perigosos.
A investigação sobre ela ainda não foi concluída. Carminha vai responder ao processo em liberdade. Perguntada se vai assumir o cargo, ela responde que “eu tenho quase certeza disso. A Justiça foi induzida ao erro e eu tenho quase certeza de que eles estão investigando direitinho”, diz a nova vereadora.
Vida mais difícil
Para esta eleição é mais possível. Mas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai enviar ao Congresso uma proposta para tentar dificultar a vida dos candidatos com ficha suja para os próximos pleitos. “Há uma proposição que foi aprovada semana passada no Conselho Federal da OAB, que prevê a inelegibilidade de candidatos condenados em segunda instância”, diz o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous. “Para passar num concurso público, você precisa ter uma ficha limpíssima. Não pode ter uma denúncia contra você na delegacia da esquina. Agora, pra ser vereador, prefeito, governador, presidente da república, você pode estar condenado até em primeira instância. Isso não é possível”, diz a cientista política Lúcia Hipólito.
“O candidato tem que ser honesto, tem que ser o representante da gente e nós não somos criminosos”, completa o eleitor Antonio Melo.
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