Seja bem vindo(a) ao nosso blog!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Política educacional: Afinal, o novo piso é legal?

Todos os artigos da lei já estão previstos em outras leis. A novidade é a definição do valor mínimo pago aos professores e o aumento do percentual do horário extraclasse. No entanto, não há consenso entre os especialistas sobre a constitucionalidade do texto
A discussão jurídica sobre a legalidade da lei do piso salarial do Magistério é complexa e mexe com uma das zonas mais cinzentas da Constituição – a que define o que são as competências privativas, concorrentes e comuns das esferas de poder. Essa divisão, essencial num país federativo, é sempre uma área de difícil interpretação – em geral sem consenso entre especialistas, ainda mais na ausência de estudos prolongados sobre o tema.
Só há unanimidade em uma interpretação: a de que as críticas de prefeitos e governadores chegaram atrasadas, se for considerado todo o trâmite pelo qual passou o texto no Congresso, até ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho. Confira a seguir os principais argumentos a favor e contra a constitucionalidade da nova lei.
Leia também
A favor
Flávia Viveiros de Castro, juíza, professora e doutora da pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), no Rio de Janeiro, resume o sentimento favorável ao novo texto legal: “Cabe à União orientar a política educacional. E a Educação é um direito fundamental para todos. Então é mais do que justo o governo, que precisa garantir esse direito, adotar estratégias para alcançar esse objetivo. Não existe argumento constitucional contra o piso.”
No jargão jurídico, é o chamado “suporte legal” que dá essa segurança. Os juristas empregam essa expressão quando há, na legislação vigente, ainda que de forma dispersa, uma teia de artigos que dá sustentação a uma nova lei. No caso do piso salarial dos professores, essa rede é formada por regulamentações do Conselho Nacional de Educação (CNE) e por trechos da própria Carta Magna. As regras já existentes indicam, direta ou indiretamente, que o Brasil deveria ter um valor mínimo de pagamento para o exercício da docência e também garantir um tempo específico para os educadores desenvolverem atividades extraclasse – como se pode ver a seguir.
1. No Capítulo II da Constituição, que trata dos direitos sociais dos cidadãos, o quinto inciso do 7º artigo define que deve existir um “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”.
2. Ainda mais direta é a Emenda 53, de 19 de dezembro de 2006, que criou o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ela alterou o artigo 30 da Constituição, incluindo um inciso que estabelece a criação de um “piso salarial profissional da Educação escolar pública, nos termos de lei federal”.
3. Finalmente, o artigo 22 da Constituição diz que cabe à União legislar sobre as diretrizes da Educação, no geral.
4. A Resolução 3 do Conselho Nacional de Educação, de outubro de 1997, prevê que “a jornada de trabalho dos docentes poderá ser de até 40 horas e incluirá uma parte de horas de aula e outra de horas de atividades, estas últimas correspondendo a um porcentual entre 20% e 25% do total”. Carlos Jamil Cury, que era presidente da Câmara de Educação Básica na época, lembra que ninguém alegou inconstitucionalidade – apesar das longas discussões realizadas com dirigentes e professores. “Foi um debate quente, mas entramos nos detalhes da carreira sem que ninguém se opusesse. Não entendo todo esse barulho agora”, explica Cury, que é professor emérito de Política Educacional da Universidade Federal de Minas Gerais.
5. Como o emaranhado de leis é enorme, existem tentativas de ordenar as regras (links para os documentos oficiais). Enquanto a nova lei tramitava no Congresso Nacional, o texto passou pelas Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado, sendo considerada pertinente por ambas.
6. No âmbito do Executivo, a Nota Técnica 93 da Advocacia Geral da União, assinada em 10 de julho deste ano por José Antonio Dias Toffoli, advogado-geral da União, usa sete páginas para concluir pela constitucionalidade.
Os pontos duvidosos
Diversos trechos de leis atualmente em vigor são motivo de divergência entre os juristas – o que é justamente um dos argumentos dos que acham que a nova lei vai além do que deveria.
1. O próprio Artigo 22 da Constituição inspira uma dessas polêmicas – tudo por causa da palavra “diretrizes”. Para alguns, estabelecer um piso é um esboço – que pode ser aumentado, adaptado. Para outros, é a decisão em si. Portanto, cabe à nova lei definir o piso? Ou isso é mais do que uma diretriz?
2. As dúvidas prosseguem na análise do Artigo seguinte, cujo texto afirma que estados e municípios podem e devem definir estratégias específicas para o setor, o que, aí sim, transformaria diretrizes em ações.
3. Paralelamente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) coloca em seu Artigo 8º que “os sistemas de ensino terão liberdade de organização” e, no 67º, que os próprios sistemas de ensino “promoverão a valorização dos profissionais, assegurando-lhes vários direitos inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira”.
Contra
A interpretação dos pontos duvidosos elencados acima é que faz com que alguns especialistas afirmem com todas as letras que a nova lei é inconstitucional. A voz mais respeitada entre os que são contra o texto é o da professora de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo, Mônica Herman Caggiano. Ela defende que, conceitualmente, estados e municípios são dotados de autonomia – por força da Constituição. “Assim, o regime jurídico de seus servidores é competência de cada uma das esferas governamentais.” Em outras palavras, cabe a estados e municípios definir como contratar funcionários públicos (entre eles, os professores, diretores, coordenadores pedagógicos etc.) e quanto pagar a eles. “Lei federal não pode impor limites e limitações, sob pena de invadir o que é assegurado pela Constituição”, avalia Mônica.
De todo jeito, como a implementação da lei será feita em etapas - e a primeira está programada para 2009 -, o debate deve continuar e reserva espaço até para eventuais contestações jurídicas oficiais. De certo, não existe nada programado, apenas uma promessa do MEC de que, com base em dúvidas que serão encaminhadas pelos estados, deve haver uma nova consulta pública à Advocacia-geral da União (AGU).

Nenhum comentário:

Postar um comentário