Cristiane Alves de Lima completou 7 anos em 2007. Onde mora, no seringal Iracema, na zona rural de Xapuri, a 190 quilômetros de Rio Branco, a menina não teve festa nem bolo no dia do aniversário. E ainda deixou de ganhar um valioso presente: não foi matriculada na escola. Neste ano, a situação se repetiria se dependesse apenas da família. Mas a Secretaria da Educação local descobriu que ela e dois irmãos – Antônio José, 13 anos, e Cleusa, 11 – ficavam em casa ou ajudavam o pai, o seringueiro Francisco de Assis Alves de Lima, nas coletas na floresta. Dois coordenadores pedagógicos foram até o sítio da família e, depois de muita conversa (e uma dose de pressão), convenceram Francisco de que não só o ensino é importante, mas que ele tem responsabilidades legais por não levar os filhos às aulas – segundo a Constituição, os pais ou responsáveis podem até ser detidos em situações desse tipo.
Não fosse a ação firme dos agentes da secretaria, Cristiane e seus irmãos continuariam a fazer parte dos 2,4% de brasileiros entre 7 e 14 anos que estão fora da escola. A porcentagem parece pequena, mas representa 660 mil crianças e jovens, um número respeitável se pensarmos no discurso oficial de que já alcançamos a universalização do Ensino Fundamental. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, feita em 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os estados do Norte e do Nordeste têm os piores índices de exclusão. E o Acre é o líder desse triste ranking (...)
Estudo conduzido no ano passado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, revela que apenas 72% dos estudantes matriculados nas escolas efetivamente estão nas classes. Os 28% restantes, embora tenham o nome na lista de chamada, faltam muito ou não assistem à jornada considerada mínima para o aprendizado (cinco horas diárias). "Ou seja, estudando realmente não tem tanta gente assim", conclui Marcelo Neri, responsável pela tabulação.
"O não-comparecimento é uma das principais causas de repetência e desencadeia outros problemas, como a distorção idade-série, o abandono e a evasão", completa Zaia Brandão, do Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. De fato, relatório finalizado em abril pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) aponta que 53,8% dos que iniciam o 1º ano não chegam ao 9º. Desses, uma pequena parcela volta às salas de aula de Educação de Jovens e Adultos. Daí ser importante articular as políticas públicas para garantir que 100% de nossas crianças e nossos jovens não só estejam efetivamente estudando como aprendendo e se desenvolvendo. A tarefa não é fácil. Três são os principais problemas para avançar nessa direção e superar as dificuldades a fim de construir uma escola de qualidade: o trabalho infantil, a ignorância das famílias que não valorizam o ensino e questões ligadas a violência, drogas e pobreza. Nesta reportagem, você conhecerá algumas soluções – como a encontrada em Xapuri – para desatar esses nós.
RESGATE DOMICILIAR DE QUEM MORA LONGE
Francisco Alves de Lima foi categórico ao ser abordado pelo professor Everaldo Nunes, que visitou o seringueiro no interior de Xapuri, no Acre, para convencê-lo a mandar a filha Cristiane (no colo), de 8 anos, e seus irmãos para a escola: "Este ano não estava pensando em matricular, não". Para combater a falta de informação e a ignorância sobre a importância da Educação, funcionários da prefeitura local percorrem a floresta, convencendo famílias a inserir as crianças no sistema de ensino. Depois de muito papo, os filhos de Francisco passaram a ser alunos da EM Novo Horizonte.
O vilão nº 1: trabalho infantil
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 20% dos alunos em idade escolar param de estudar por exercer uma atividade remunerada. Para minimizar o problema, o governo vinculou programas de transferência de renda para a população carente (como o Bolsa Família) à matrícula das crianças em idade escolar. Isso deveria incentivar os pais a manter os filhos na sala de aula. Números do IBGE, no entanto, mostram que ainda há um longo caminho a percorrer: nos domicílios que não recebem o benefício, 2,1% das crianças estão fora da rede, e esse número chega a 2,8% entre os que começaram o ano recebendo o dinheiro (se os filhos faltarem por meses consecutivos, a ajuda é suspensa no ano seguinte). "Infelizmente, o desenvolvimento econômico não puxa o social na mesma proporção e ritmo. Por isso, o progresso do país não basta para resolver a questão", analisa Renato Mendes, coordenador da OIT.
"Precisamos de crescimento local sustentável para que os adultos tenham emprego e não usem a força de trabalho dos filhos." Entre os 5 e os 13 anos, existem 4,5% de brasileirinhos na labuta – cerca de 1,4 milhão. Geralmente eles são empregados eventuais, que faltam um ou dois dias às classes, de forma irregular, como revela a pesquisa da FGV e da Unesco. "Existe a falsa impressão de que a criança assiste às aulas, mas é óbvio que a atividade remunerada atrapalha o desempenho e desestimula os estudos", diz Mendes.
Em Arapiraca, a 140 quilômetros de Maceió, a indústria do fumo é forte e marcada pelo emprego do trabalho infantil. Meninos como Rafael da Silva, 14 anos, ganhavam para "destalar" as folhas (arrancar os talos) e "desolhar" os pés de fumo (tirar os brotos para garantir o crescimento normal da planta). Na primeira metade do ano, a mão-de-obra infantil era requisitada no contraturno, em casa ou na fábrica. No segundo semestre, porém, havia debandada geral, pois parte dos estudantes seguia com os parentes para o interior a fim de ajudar na colheita.
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