Seja bem vindo(a) ao nosso blog!

sábado, 21 de maio de 2011

TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO DA PROFESSORA AMANDA GURGEL

Bom dia a todas e todos!
Eu, durante cada fala aqui, eu pensava em como organizar minha fala, não é? Porque, assim ... são tantas questões a serem colocadas e tantas angústias, né? Do dia a dia de quem está em sala de aula, de quem está em escolas e eu queria pelo menos conseguir sintetizar minimamente essas angústias. Mas também como as pessoas é... apresentam muitos números e como sempre colocam: os números são irrefutáveis, eu gostaria também de apresentar um número, pra iniciar a minha fala, que é um número composto por três algarismos apenas, bem diferente dos outros números que são apresentados aqui com tantos algarismos, que é o número do meu salário, não é? Um 9, um 3 e um 0, meu salário base 930 reais. E aí eu gostaria de fazer uma pergunta a todas e todos que estão aqui. Sim, nível superior, com especialização. Se vocês conseguiriam, mas também só respondam se não ficarem constrangidos, obviamente, se vocês conseguiriam sobreviver ou manter o padrão de vida que vocês mantêm, com este salário? Não conseguiriam. Certamente este salário, ele não é suficiente pra pagar nem a indumentária né? que os senhores e as senhoras utilizam pra poder freqüentar esta casa aqui, não é? Então assim... a minha fala não poderia partir de um ponto diferente desse, porque só quem está em sala de aula, só quem está pegando três ônibus por dia pra poder chegar ao seu local de trabalho, ônibus precário inclusive, é que pode falar com propriedade sobre isso. Fora isso, qualquer colocação que seja feita aqui, qualquer consideração que seja feita aqui, é apenas para mascarar uma verdade, que é uma verdade visível a todo mundo que é o fato de que em nenhum governo, em nenhum momento que nós tivemos no nosso estado, na nossa cidade, no nosso país a educação foi uma prioridade. Em nenhum momento; certo? Então assim... me preocupa muitíssimo a fala da maioria aqui, inclusive a fala da secretária Betânia Ramalho, com todo respeito, que é “não vamos falar da situação precária porque isso todo mundo já sabe.” Como assim não vamos falar da situação precária? Gente, nós estamos banalizando isso daí? Estamos aceitando a condição precária da educação como uma fatalidade? Estão me colocando dentro de uma sala de aula, com um giz e um quadro pra salvar o Brasil, é isso? Salas de aulas superlotadas, com os alunos entrando a cada momento com uma carteira na cabeça, porque não tem carteiras nas salas. Sou eu a redentora do país? Não posso, não tenho condições. Muito menos com o salário que eu recebo. Tá certo? A secretária disse ainda que nós não podemos ter, é... ser imediatistas, ver apenas a condição imediata, precisamos pensar a longo prazo, mas a minha necessidade de alimentação é imediata. A minha necessidade de transporte é imediata. A necessidade de Jéssica de ter uma educação de qualidade é imediata, certo? Então eu gostaria de pedir aos senhores, inclusive, que se libertem dessa concepção errônea, extremamente equivocada, isso eu digo com propriedade, porque sou eu que estou lá, inclusive, além, propriedade maior até do que os grandes estudiosos. Parem de associar qualidade de educação com professor dentro da sala de aula. Parem de associar isso daí, porque não tem como você ter qualidade em educação com professores três horários em sala de aula, certo? Porque é assim que os professores multiplicam os 930. Novecentos e trinta de manhã, novecentos e trinta à tarde, novecentos e trinta à noite pra poder sobreviver. Não é pra andar com bolsa de marca, nem pra usar perfume francês, certo? É pra ter condição de pagar a alimentação dos seus filhos. É pra ter condição de pagar uma prestação de um carro, que muitas vezes eles compram, pra poder se locomover mais rapidamente entre uma escola e outra e que eles precisam escolher o dia que vão andar de carro, porque não têm condição de comprar o combustível; tá certo? Então, a realidade nossa, o cenário da educação no Rio grande do Norte hoje é esse. E eu não me sinto constrangida em apresentar meu contracheque, nem a aluno, nem a professor, nem a nenhum dos senhores aqui, porque eu penso que o constrangimento deve vir de vocês. Sinto muito. Eu lamento, mas deveriam todos estar constrangidos, entende? Então assim: entra governo e sai governo, e eu peço desculpas, mais uma vez, Betânia, mas não tem novidade na sua fala. Sempre o que se solicita da gente é paciência, é tolerância. E eu tenho colegas que estão aguardando pacientemente há 15 anos, há 20 anos por uma promoção horizontal. Professores que morrem e não recebem uma promoção. Então eu quero pedir à secretária, em primeiro lugar, paciência também, porque nós não agüentamos mais esse discurso; não agüentamos. O que nós queremos é objetividade. Como é que é? Queremos sair desse impasse? Queremos, mas como? Sem nenhuma proposta, de mãos abanando? Voltar mais uma vez desmoralizados pra sala de aula, pro aluno dizer: “professora, a gente ficou aqui sem ter aula e só isso? Vocês receberam 20 reais, 30 reais?” Dão risada. Pedimos ainda, secretária, respeito; pra que a senhora não vá mais à mídia dizer assim: “pedimos flexibilidade”, como se nós fôssemos os responsáveis pelo caos, que na verdade só se apresenta pra sociedade quando nós estamos em greve, mas que tá lá todos os dias, dentro da sala de aula, dentro da escola, em todos os lugares; certo? Então, respeito! Não se refira à nossa categoria dessa forma, não se refira, nem se refira apenas como se fosse a direção do SINTE que tá querendo fazer essa greve; não é não. É 90% da categoria. 90 por cento da categoria no estado inteiro, nos interiores, aqui na capital; certo? Pedimos aos deputados, apoio; estejam mais presentes, participem ali, vão às nossas assembléias, procurem ouvir esses trabalhadores; procurem saber a realidade, certo? Pedir à promotoria que esteja com a fiscalização efetiva, ao ministério público. Que não seja pra dizer: ”professor não pode comer desse cuscuz não; porque é um cuscuz alegado que a gente come, o cuscuz da merenda; porque a promotoria tá pra lhe dizer que a merenda é do aluno, não é do professor; certo? È assim que funciona. Diga-se de passagem, nós não temos recurso pra...pra... é... estarmos nos alimentando diariamente fora de casa; não temos pra isso, certo? Então, são muitas questões mais complexas certo? são muitas questões muito complexas que poderiam ser colocadas aqui, mas infelizmente o tempo é curto, e eu gostaria de solicitar isso, em nome dos meus colegas que comem o cuscuz alegado, em nome dos meus colegas que pegam três ônibus pra chegar ao seu local de trabalho, em nome de Jéssica, que tá nesse momento sem assistir aula, mas que fica sem assistir aula por muitos outros motivos: por falta de professor, por falta de merenda, certo? É isso que eu quero dizer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário