Balançou, mas não caiu
‘‘Rio de Janeirrô!" Foi de estremecer o Cristo Redentor a festa que explodiu na cidade ao anúncio feito em Copenhague pelo belga Jacques Rogge, presidente do Comitê Olímpico Internacional. Depois de sete candidaturas frustradas, o Brasil foi finalmente escolhido para sediar uma Olimpíada, a de 2016, primeira a se realizar em solo sul-americano. Mais do que um tremendo afago na autoestima nacional, o evento será uma chance para o Rio dar uma virada histórica. As chagas abertas pelo desgoverno e abandono a que a cidade esteve entregue nas últimas décadas podem não se fechar de uma vez, mas a largada na direção da reedificação da capital estará dada. Para receber 15 000 atletas e mais de 1 milhão de turistas, estado e iniciativa privada investirão lá 23 bilhões de reais em infraestrutura até 2016, dinheiro que, espera-se, será usado para oxigenar o sistema de transportes, despoluir a Baía de Guanabara, revitalizar a zona portuária, modernizar os aeroportos e fazer com que, daqui a 2 400 dias, quando os olhos do mundo estiverem voltados para o Rio, ele esteja mais lindo do que nunca. Será um trabalho de proporções épicas, mas que promete recompensa proporcional – e duradoura. Foi por causa dos esforços com vistas a uma Olimpíada, a de 1992, que a cidade espanhola de Barcelona disse adeus à degradação e à decadência para se tornar um dos destinos turísticos mais charmosos e concorridos da Europa. É isso que se deseja para o Rio: que o legado civilizatório dos Jogos contribua para que ele volte a ser o que já foi no passado: uma cidade cuja beleza mesmerizante é capaz de esgotar o repertório de superlativos de quem a vê e cujos moradores têm motivos para sentir orgulho do seu passado, satisfação com o seu presente e otimismo em relação ao futuro.
Balançou, mas não caiu
Foram três meses de denúncias sucessivas, uma mais cabeluda do que a outra, mas nada conseguiu fazer José Sarney desgrudar da cadeira. Auxiliado pela proverbial incapacidade dos políticos de enrubescer, e pelo braço amigo do PT, o presidente do Senado aferrolhou-se ao cargo a despeito dos seguintes episódios: a divulgação da existência de centenas de atos secretos no Senado; a descoberta de que esses atos incluíam a nomeação de quatro parentes seus; a revelação, feita por VEJA, de que ele mantinha uma conta secreta no exterior; a notícia de que havia recebido auxílio-moradia mesmo tendo casa em Brasília (que, aliás, não constava da sua declaração de bens); e a denúncia de que a Fundação José Sarney havia desviado dinheiro de um convênio com a Petrobras. Tamanha quantidade de descalabros teve final feliz só para os envolvidos: Sarney considerou as denúncias uma "falta de respeito" para com ele, no que foi prontamente apoiado pelo presidente Lula ("O Sarney não pode ser tratado como se fosse uma pessoa comum"). Ato contínuo, todas as denúncias foram arquivadas no Conselho de Ética do Senado e, embora parte delas esteja sendo investigada pela polícia, nenhuma até hoje deu em nada. O cacique balançou, balançou, mas não caiu.
A criação de Dilma
Foi um ano de duras batalhas para a ex-guerrilheira Dilma Rousseff. A maior de todas, um câncer no sistema linfático, foi enfrentada com dignidade e vencida com bravura. Em setembro, depois de cinco meses de tratamento, a ministra veio a público anunciar que estava curada. Menos definitivo foi o resultado de seu embate com a ex-secretária da Receita Lina Vieira em torno de um encontro de desdobramentos suspeitos cuja existência ela nega e a ex-secretária reitera. Palavra contra palavra, ficou por isso mesmo, e Dilma encerrou 2009 inteira e sacudindo a poeira. Como o Adão de Michelangelo, sua candidatura à Presidência veio do nada e materializou-se por obra e graça de um dedo (que, nesse caso, não era divino, mas quase). A natureza do processo suscitou a dúvida: a mágica do criador incluiria a capacidade de transferir votos para a criatura? Dois anos e muitas viagens, inaugurações e palanques conjuntos depois, Dilma patina nas pesquisas. Assim, a dúvida que atormenta os petistas passou a ser outra: com a tonitruante popularidade presidencial, a ministra – praticamente uma reencarnação de Lula, segundo a propaganda do PT – não deveria estar em situação bem mais confortável? Dilma já se mostrou boa de batalhas. 2010 será o ano da guerra.
Mais vale um tucano à mão...
Risinho aqui, alfinetadinha acolá e muito jogo de cena depois, sobrou só um tucano para alçar o voo mais alto. Aécio Neves, que começou o ano arrastando caminhões de apoio às suas pretensões de candidato à Presidência da República, foi, devagarinho, colocando o nome em cima do telhado. Primeiro pressionou pelas prévias até outubro, depois aceitou postergar a data e mais tarde desistiu da consulta. Por fim, anunciou a retirada da pré-candidatura, deixando o caminho livre para Serra, hoje o mais que virtual candidato do PSDB. A pergunta que agora ecoa nas hostes tucanas é: aceitará Aécio ser vice de Serra, carregando consigo um dos mais altos índices de aprovação registrados por um governador e uma miríade de votos do segundo maior colégio eleitoral do país? Para convencer o colega de Minas Gerais a formar o que analistas consideram ser a chapa de oposição imbatível, o governador de São Paulo terá de gastar mais do que o seu latim – terá de oferecer um caminho para Aécio ganhar musculatura nacional e, assim, viabilizar-se para se candidatar finalmente à Presidência. De preferência, em 2014...
Gigante em chamas
O clarão que iluminou a noite carioca lembrou o de um vulcão em erupção. Dando sequência ao que já se transformou em uma triste tradição, um novo incêndio destruiu em setembro 5 hectares de mata na Pedra da Gávea, um dos mais bonitos cartões-postais do Rio, visto do chão, e um dos mais deslumbrantes mirantes da cidade, para quem se aventurar a escalar os seus quase 850 metros de altura – o maior monolito à beira-mar do mundo. Em 2006, um incêndio na face oeste da pedra já havia devastado 5 hectares de mata. Em 2007, a destruição foi maior: 6 hectares viraram fumaça. Nas três vezes, a causa provável foi o descuido de visitantes aliado à falta de fiscalização do local. As vítimas também são sempre as mesmas: orquídeas, bromélias e outras espécies endêmicas da Mata Atlântica em extinção.
Viés de mudança
Henrique Meirelles, o mais longevo presidente do Banco Central, não esconde de ninguém o desejo de retomar a carreira política – e a vontade ardente de fazê-lo ainda em 2010. Em outubro, o ex-deputado tucano filiou-se ao PMDB, deixando no ar a impressão de que já estava tudo combinado com o chefe. Lula vê com bons olhos que o presidente do BC ocupe na chapa de Dilma Rousseff o lugar de candidato a vice até o momento reservado ao PMDB. Mas competir com lobos grandes e raposas velhas não é tarefa fácil, e, por enquanto, Meirelles está na moita. Ao admitir, em outubro, que poderia ser "candidato a qualquer coisa", o guardião da moeda despertou compreensíveis temores de que, nessa condição, pudesse permitir que lhe amolecessem o até então impassível coração. Mas, durão, ele continuou fazendo careta para a inflação.
Bem-vindo, terrorista!
Certamente não foi por acaso que o terrorista italiano Cesare Battisti escolheu o Brasil para morar. Mas nem nas suas mais delirantes fantasias ele poderia imaginar que receberia aqui tão calorosa acolhida. O Brasil tem sido uma mãe para Battisti (na foto, em alegre convescote com um grupo de parlamentares do PT, PCdoB e PSOL). Afinal, que outro país dedicaria paparicos de popstar a um criminoso condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos? Em que outro país o ministro da Justiça, ignorando o parecer de um órgão técnico favorável à sua extradição, concederia a ele status de "refugiado político"? E, por fim, que país continuaria considerando a possibilidade de oferecer-lhe abrigo mesmo depois de a mais alta corte de Justiça concluir ser o italiano um criminoso comum? Graças a essa sucessão de bondades, está nas mãos do presidente Lula decidir onde o terrorista Battisti passará 2010, se pagando por seus crimes na Itália ou espreguiçando-se sob o sol do Brasil.
Verdade submersa
Seis meses depois da queda do voo 447 da Air France, as respostas para as causas da tragédia que matou 228 pessoas, incluindo 58 brasileiros, permanecem no fundo do mar. O segundo relatório da agência francesa de investigação e análise de acidentes frustrou quem esperava explicações para os eventos que levaram o Airbus 330 a cair no Oceano Atlântico quatro horas depois de decolar do Rio em direção a Paris, partindo-se em centenas de pedaços sem deixar sobreviventes. Além de recomendar a mudança dos métodos de avaliação do funcionamento dos sensores de velocidade do Airbus (os "pitots", que entraram para o vocabulário nacional desde o acidente), o documento nada esclareceu. Por que a aeronave mergulhou no inferno de um aglomerado de cúmulos-nimbos, as terríveis nuvens carregadas de eletricidade e cortadas por ventos de até 200 quilômetros por hora? Como se deu a pane elétrica que fez os pilotos perder o comando do aparelho? O que provocou a avaria na fuselagem que antecedeu a queda do AF-447? E, mais importante que tudo: como evitar que isso se repita? Pressionada pela associação de familiares das vítimas brasileiras do acidente, a agência francesa de investigação decidiu retomar em fevereiro as buscas pelas caixas-pretas do Airbus – a esta altura, a única esperança que resta de decifrar a tragédia.
A meia é a nova cueca
Foi patrocinada pelo DEM e protagonizada por um de seus parlamentares a mais explícita cena de cafajestice política já vista no Brasil desde que as denúncias de malfeitorias perpetradas pela categoria passaram a vir com áudio e vídeo. Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Leonardo Prudente provou que um sobrenome pode ser também um oximoro. Flagrado estufando com dinheiro não contabilizado (como os mensaleiros do PT convencionaram chamar a propina) os bolsos do paletó e da calça, quando mais buracos não achou, socou o restante dentro da meia, entrando assim para a infame galeria inaugurada pelo "homem do dólar na cueca", seu antepassado petista. Numa comparação com o mensalão do PT, o do DEM primou por duas diferenças: a celeridade com que o partido resolveu expulsar os envolvidos, incluindo o governador do DF, José Roberto Arruda (doravante conhecido como "o homem do dinheiro que era para comprar panetone"), que caiu fora antes de ser defenestrado, e a indignada reação de membros do governo diante de cenas tão "estarrecedoras" e episódio tão "deplorável" – adjetivos jamais pronunciados quando o escândalo era no quintal petista. Mensalão nos olhos dos outros...
E fizeram-se as trevas inexplicáveis...
Em 10 de novembro, o maior apagão da história do país deixou à luz de velas dezoito estados e 88 milhões de pessoas (ao lado, a cidade de São Paulo às escuras). Mais de um mês depois, 193 milhões de brasileiros continuam na escuridão, já que as causas do blecaute permanecem um mistério insondável. Falou-se em raios, em falha estrutural do sistema e, mais recentemente, em comprometimento no funcionamento de certas peças que deveriam proteger os feixes condutores de eletricidade. Ao fim e ao cabo, a única coisa que ficou clara, com o perdão do trocadilho, foi que o sistema elétrico brasileiro padece de um desequilíbrio sério que, a cada seis anos, em média, faz o país mergulhar na mais medieval das escuridões. Alguém disse seis anos, em média? Bem, levando-se em conta a proximidade da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, talvez seja uma boa ideia as autoridades brasileiras começarem a se preocupar, se quiserem evitar um vexame agora de repercussão global.
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