Governo desconsidera os trabalhadores sem emprego formal que cresceram
desde a recessão de 2014. Diretamente atingidos, eles não estão cobertos pela
ajuda oficial e precisarão lutar pela subsistência em condições ainda mais
dramáticas
SEM MOVIMENTO Vendedora na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Comércio popular e os bicos serão fortemente atingidos pela crise (Crédito: Pedro Teixeira) |
O Além de
reagir de forma burocrática e reativa à crise do coronavírus, o governo
Bolsonaro também está negligenciando o atual momento do mercado de trabalho,
que se degradou de forma dramática desde o início da recessão de 2014. No ano
passado, a taxa de informalidade alcançou recorde em 19 estados, além do Distrito
Federal. A informalidade atinge 40,8 milhões de indivíduos — ou 43,3% dos
trabalhadores ocupados. As pessoas sem carteira assinada que vivem de bicos e
lutam pela sobrevivência deverão ficar sem nenhuma renda e serão especialmente
atingidas com a paralisação generalizada da economia. E não estão cobertas
pelas medidas anunciadas na última semana. É o grupo que deve ser mais afetado
com o avanço da pandemia no Brasil.
Só após ficar
claro o descompasso entre a emergência nacional e a desatenção da equipe econômica,
o governo passou a anunciar iniciativas para os trabalhadores informais. Na
última quarta-feira, 18, três semanas após o anúncio do primeiro doente no
Brasil, Guedes anunciou um “voucher” de R$ 200 para quem não recebe benefícios
sociais do governo. O valor corresponde a duas cestas básicas, afirmou o
ministro. Serão gastos para esse programa R$ 15 bilhões em três meses, ou R$ 5
bilhões por mês. Segundo Guedes, a iniciativa foi um pedido de Jair Bolsonaro.
Ele ordenou a medida em reação às críticas que recebeu após ter negado
seguidamente a gravidade da crise. “A preocupação do presidente é o mercado
informal, são 38 milhões de brasileiros que estão nas praias vendendo mate,
vendendo cocada na rua, são os flanelinhas”. Após a declaração do ministro da
Economia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ironizou: “Hoje, a gente viu,
pela primeira vez, uma foto que a sociedade olha e diz: ‘Começaram a se
preocupar com a vida das pessoas’”.
Milhões
excluídos
MISÉRIA Uma família que vive em condições precárias no Parque Azul, em Magé (RJ). A miséria no Estado dobrou entre 2015 e 2019 (Crédito:Guito Moreto) |
O auxílio
emergencial deve alcançar até 20 milhões de pessoas e não poderá ser acumulado
com outros benefícios sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação
Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, nem
com aposentadoria, pensão ou seguro-desemprego. O plano anunciado deve se
basear no chamado Cadastro Único, do Ministério da Cidadania, que contempla 70
milhões de pessoas que vivem com até meio salário mínimo per capita. Desses, 41
milhões já estão no Bolsa Família. Cerca de 30 milhões de brasileiros estão no Cadastro
Único, mas fora do Bolsa Família. O plano para os informais, além de
provisório, é insuficiente. A recessão ainda vai deixar sem proteção social uma
camada com renda superior à do Cadastro Único. Milhões de informais fora dele
precisarão ser incluídos na rede de proteção social, e o Ministério da Economia
não está oferecendo nenhuma alternativa a eles.
A situação da
economia já era grave. Com a recessão e a retomada ainda incerta da economia, a
taxa de desemprego chega a 11,2%. São 11,9 milhões de desempregados. A renda
dos 5% mais pobres no Brasil caiu 39% entre 2014 e 2018. Como consequência, o
contingente da população em extrema pobreza aumentou em 71,8%, com inclusão de
3,4 milhões de novos pobres extremos, segundo o FGV Social, da Fundação Getúlio
Vargas. Isso ocorreu devido à crise econômica e a desajustes no programa Bolsa
Família — em 2019, esse programa registrou redução no número de beneficiários e
aumento na fila das famílias que buscam por assistência em 2019. O governo
anunciou na segunda-feira, 16, um reforço de R$ 3,1 bilhões para o programa,
suficiente para zerar a fila, mas não para aumentar o número de beneficiários.
Outros países,
incluindo os EUA, estão criando programas para dar dinheiro diretamente aos
trabalhadores que serão afetados pela recessão que avança. Aqui, além dos
recursos anunciados serem insuficientes, há um exército de trabalhadores que já
estavam vulneráveis antes da pandemia. O governo não conseguia atendê-los
antes, e agora não age de forma abrangente para incluí-los. É a renovação dos
votos antissociais da atual equipe. Uma irresponsabilidade econômica com os
excluídos do mercado de trabalho formal, que continuam esperando a retomada.
Ela estava demorando, e agora foi adiada — pelo menos até 2021.
Fonte:https://istoe.com.br/a-angustia-dos-informais/
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