A morte de Fernanda Lages virou um detalhe diante da briga entre a Polícia Civil e o Ministério Público Estadual. Ao final dos 60 dias que usaram para investigar a morte da jovem, os delegados da Comissão Investigadora do Crime Organizado (Cico) abriram mão de emitir um “juízo de valor” sobre o caso e transferiram a responsabilidade da conclusão para os promotores.
Todos os envolvidos negam, mas o clima entre as instituições é de revide. Durante entrevista coletiva, nesta terça-feira (25), o delegado Paulo Nogueira pediu desculpas pelos momentos em que perdeu a calma e admitiu não ter chegado a nenhum suspeito de ter assassinado a estudante. Depois, fez um longo desabafo. O alvo principal do presidente do inquérito foram os promotores Eliardo Cabral e Ubiraci Rocha.
Segundo ele, a Cico não possuía ainda todos os elementos técnicos necessários para concluir o inquérito. Os exames de DNA que estão sendo processados no Instituto de Criminalística da Paraíba são considerados fundamentais.
Entretanto, admitiu Paulo Nogueira, como o prazo de 60 dias expirou, os exames não ficaram prontos e o MP já havia afirmado que não mais prorrogaria o período das investigações, o relatório da Polícia Civil não conclui nada. “Se tudo que nós fizemos não presta, não está certo, não serve, não tínhamos como emitir um juízo de valor. Se apresentamos uma conclusão, ia virar motivo de chacota”, diz.
Choques
Apesar de atuarem no mesmo caso, as instituições trabalham com diferentes linhas. Essa é outra justificativa para o relatório inconclusivo das investigações. Eliardo Cabral e Ubiraci Rocha sustentam a tese de que Fernanda foi morta em uma trama planejada. O assassinato da jovem seria uma “queima de arquivo”.
O sentido que a Polícia Civil segue é outro. O delegado geral James Guerra, baseado nos laudos da perícia técnica, afirma que Fernanda chegou sozinha à obra do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). De acordo com ele, a quebra de sigilos telefônicos comprova que a estudante não fez contatos antes de chegar ao local.
Se Fernanda esteve com alguém minutos antes de morrer, o encontro foi previamente marcado e aconteceu no interior da obra do Ministério Público Federal. Porém, “só o exame de DNA pode revelar se havia mais uma pessoa no local”. Já os promotores sustentam que duas ou até três pessoas podem ter participado do assassinato da jovem.
“Quando dois membros do Ministério Público dizem que sabem quem são os culpados, que já os identificaram, que foi um crime de encomenda, como é que eu ia convencer eles das minhas convicções, se eles já têm a convicção deles formada?”, pergunta o delegado Paulo Nogueira.
Homicídio ou suicídio?
O assunto suicídio é outra polêmica entre polícia e MP. Fazendo eco à voz da família de Fernanda, os promotores sempre consideraram inaceitável a possibilidade de a estudante ter atentado contra a própria vida. Apesar de não ter pronunciado a palavra “assassinato” em nenhuma ocasião, o delegado James Guerra se defende afirmando que “a polícia não investiga suicídio”.
É fato que Fernanda caiu do terraço superior do prédio do MPF. Ela pulou ou foi lançada? Cálculos físicos feitos a partir da simulação com uma boneca comprovam que a velocidade de queda do corpo foi um pouco acima do normal. “Não é uma velocidade de arremesso, mas pode ter sido de um pequeno empurrão”, informa o delegado Geral.
Contudo, mais uma vez afirmando que emitir juízo de valor causaria choque com os promotores, o relatório do inquérito não apresenta nenhuma conclusão sobre esse assunto. O termo “morte violenta” foi usado no texto final do documento para se referir ao que aconteceu com Fernanda Lages.
Debate ao vivo
Não resta dúvidas de que a morte de Fernanda Lages se transformou em um show midiático. Detalhes da investigação, declarações fortes, achismos, boatos e teorias da conspiração ganharam eco através do noticiário. Instituições e autoridades tiveram suas credibilidades colocadas à prova. E experimentaram virar celebridades instantâneas.
Nesta terça-feira (25), logo após a coletiva organizada pela Secretaria de Segurança, delegados e promotores aceitaram participar de um debate pouco construtivo. Separados pela distância física, mas colocados no mesmo plano por modernos sinais de satélite, Paulo Nogueira, James Guerra, Eliardo Cabral e Ubiraci Rocha trocaram inúmeras acusações.
Ao vivo, os representantes das instituições esbravejaram, apontaram erros, reafirmaram teorias. Ao assistir os promotores, o delegado Paulo Nogueira sorria com ironia. Chegou até a imitar o gaguejar do promotor Eliardo Cabral.
Já em outra emissora, o repórter quis saber o que o Ministério Público ia fazer depois dali. A pergunta estava relacionada aos procedimentos a serem adotados após o recebimento do inquérito policial. “Depois daqui? Depois daqui eu vou almoçar”, respondeu Eliardo. “E depois?”, insistiu o jornalista. “Eu vou dormir”, disse. Não satisfeito, o repórter repetiu a pergunta, conseguindo do promotor uma declaração séria: “Depois eu vou analisar o inquérito.”
E é assim, ao sabor desse e de outros acontecimentos, que a pergunta permanece sem resposta 60 dias depois. "Quem matou Fernanda Lages?", querem saber os piauienses.
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