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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Raoni: "Pode ser que nos matem, mas vou com meus guerreiros impedir Belo Monte"



Raoni Metuktire e Megaron Txucarramãe, kayapós de Mato Grosso, estão no Rio de Janeiro para participar do seminárioFundo Kayapó (nesta quinta-feira, às 11h, no Espaço Arena da Barra) um dos eventos paralelos da Rio+20. Mais uma vez, falarão em defesa dos povos indígenas – é a luta que iniciaram há mais de seis décadas, quando entraram em contato pela primeira vez com não índios, nos anos 1950. Raoni e Megaron conheceram os irmãos Villas-Bôas na expedição que resultou, décadas depois, na criação do Parque Indígena do Xingu. Eles aprenderam português com os Villas-Bôas, e passaram a atuar na defesa de direitos políticos e na demarcação de terras indígenas.
Hoje, a principal causa da militância de Raoni e Megaron é o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte. "Se eles não pararem a construção de Belo Monte, eu vou lá com meus guerreiros impedir a construção. Pode ser que o governo ataque a gente, atire contra a gente e mesmo mate a gente, mas eu vou lá com meus guerreiros impedir essa barragem", afirma Raoni. Os dois líderes responderam a perguntas enviadas pelos leitores de ÉPOCA. Leia abaixo a entrevista interativa. 
Com o processo de globalização e solidificação do mundo capitalista, como podemos criar uma consciência ambiental eficaz em toda a população? (Alex Raoni)
Megaron – Se o povo todo fizer uma mudança de pensamento global, todos poderiam respeitar os povos indígenas, seus costumes e seu modo de vida. Também o mundo todo precisaria mudar seu pensamento, para respeitar a natureza e o meio ambiente. Essa mudança de atitude é fundamental, porque do jeito que está não sobrará nenhuma floresta verde no mundo. Nós, nas Terras Indígenas, protegemos nossas florestas. Se em outros lugares também respeitassem, seria muito bom para o planeta. 
Sendo as usinas hidrelétricas consideradas de fontes de energia limpa, que não causam poluição, é possível conciliar o espaço indígena com a usina de alguma maneira? (Sonia Maria Remy)

O que acontecerá com os peixes da Amazônia se os rios forem barrados por hidrelétricas? Como recebem decisões do governo de que terras de tribos serão inundadas por hidrelétricas que pouco beneficiará seu povo? (Rodrigo Guimarães eRaquel Lima)
O que podemos fazer para demonstrar apoio e intensificar a luta contra Belo Monte? Acreditam que há possibilidade de parar o projeto? (Priscilla Menezes de Oliveira e Cintia Guido)

Megaron – Nas décadas de 60 e 70, não se falava em construir hidrelétricas no rio Xingu, nem no rio Tapajós. Depois, surgiu o projeto de construção da hidrelétrica de Cararaú, mas com a mobilização dos povos indígenas e ribeirinhos o governo abandonou o projeto. Muita gente lutou contra as barragens. Na década de 80, o governo respeitou a opinião do índio, e a opinião pública. Agora, o Lula com o PAC voltou com esses projetos de grandes hidrelétricas, e essas barragens vão prejudicar muito a vida dos indígenas. A barragem vai fazer os rios secarem, mudar o curso dos rios e diminuir o número de peixes. Essas hidrelétricas podem ser muito boas pra ganhar dinheiro, para as grandes empreiteiras que vão construí-las, mas só vão prejudicar a vida dos ribeirinhos, dos índios e do meio ambiente.
As hidrelétricas na Amazônia não são uma energia limpa – é isso que dizem os cientistas, os ambientalistas, pessoas que detêm muito conhecimento. Agora o governo está indo contra a opinião de todos, de cientistas que dizem que os rios amazônicos não terão vazão suficiente para permitir hidrelétricas que gerem energia em quantidade satisfatória. Só que depende do governo parar Belo Monte, e o governo quer construir a qualquer preço. Isso porque tem muita gente que vai ganhar dinheiro com essas hidrelétricas, até com as PCH (pequenas centrais hidrelétricas). Até as PCHs são prejudiciais. Por exemplo, o vice-governador do Mato Grosso, Chico Daltro, é dono da PCH de Culuene. Ela fecha o rio e, abaixo da barragem, o rio seca. 
Raoni – Aqui na Rio+20 eu vou falar para todo mundo, para todos os governos presentes, sobre a destruição das florestas e contra as barragens. Se eles não pararem a construção de Belo Monte eu vou lá com meus guerreiros impedir a construção. Pode ser que o governo ataque a gente, atire contra a gente e mesmo mate a gente, mas eu vou lá com meus guerreiros impedir essa barragem. Eu não estou me sentindo sozinho nesta luta, eu sei que tem muita gente apoiando, em todas as partes do mundo, assinando abaixo-assinados e petições contra Belo Monte. Nós estamos juntos com milhões de pessoas nessa luta. 
Vocês acreditam que a Funai é um órgão legítimo para atender as necessidades indígenas? (Joanna Araujo)

Meu nome é uma homenagem ao Cacique Raoni e sua luta em defesa dos direitos dos povos indígenas. Como eles avaliam a gestão do atual presidente da Funai, Márcio Meira? (Raoní Beltrão)

Megaron e Raoni – A Funai historicamente foi muito boa para os índios. A Funai ajudou a demarcar terras indígenas. E agora há um movimentos entre políticos que querem reduzir as terras indígenas já homologadas, querem reduzir áreas protegidas, até parques nacionais. Nós estamos aqui na Rio+20 para lutar contra isso e denunciar essas pessoas que querem diminuir nossas terras e as terras protegidas do Brasil. Outra coisa: querem mudar a lei para que possa haver mineração em terras indígenas. Estamos aqui para lutar contra isso.
Mas, sobre a Funai, foi muito bom para os índios. As pessoas que trabalharam na Funai foram boas, homologaram e demarcaram terras indígenas. Só que a Funai depende das pessoas que estão lá. Por exemplo, o último presidente, o Marcio Meira, fez uma mudança muito ruim. Ele tirou os postos indígenas das aldeias e colocou coordenações técnicas que ficam nos municípios. Agora os índios têm que ir até os municípios (às vezes, sem condições, sem transporte etc.) porque não tem mais os postos nas aldeias. Agora para qualquer coisa os índios têm que ir ao município, e sem contar que essas coordenações técnicas não estão aparelhadas, não têm carro, não têm estrutura, não têm nada lá. Foi uma péssima mudança. Mas a Funai é importante para o índio e deve ser fortalecida.
Qual a opinião de vocês em relação aos desafios da educação indígena no Brasil? O currículo do ensino tem privilegiado o diálogo entre os saberes indígenas e os saberes tradicionais da escola? Como vocês avaliam as políticas de educação voltadas para os povos indígenas? (Roniel Sampaio Silva)
Raoni – O índio tem que receber a educação tradicional do conhecimentos tradicionais de sua cultura, vindos de seus pais, avós e tios. Agora é importante também o índio receber duas educações, a educação do branco também. Queremos que professores que dominem os dois idiomas vão até as aldeias e ensinem as crianças na própria aldeia os dois tipos de conhecimento. Os índios têm que aprender esses dois conhecimentos diferenciados. E depois, se eles quiserem ir à faculdade, também têm o direito de ir para a faculdade, pois infelizmente não possuímos universidades nas aldeias.
Megaron – É importante os índios irem para a faculdade para aprender conhecimentos dos homens brancos e depois voltar para a aldeia para ajudar os índios. Agora às vezes acontece de os índios irem para a cidade para estudar e acabarem se perdendo por lá. Não voltam, e isso não é bom. Às vezes os jovens vão para a cidade estudar, e daí começam a aprender coisas erradas, a bebida, as drogas, que estão em toda parte. Isso é vergonhoso.
O que o governo atual tem feito em favor dos povos indígenas? Vocês acreditam que seja ideal haver uma política de cotas para que os índios e/ou seus descendentes cursem escolas e faculdades públicas como ocorre no caso dos negros e afrodescendentes? Da mesma forma, que haja maior representatividade no Congresso Nacional e nas Câmaras Legislativas Municipais e Estaduais por meio de uma política que isso assegure? Vocês acreditam mesmo que o governo atual esteja do lado da minoria indígena? (Caroline Augusta Nascimento)
Megaron e Raoni – Somos a favor também de cotas em universidades para índios, assim como para negros. Em muitos Estados já há cotas para índios, no Paraná, no Mato Grosso, em Brasília e em São Paulo.
Como representantes de povos ligados à natureza e a outro estilo de vida, como vocês avaliam o relacionamento da comunidade indígena com uma sociedade que a estigmatiza, aponta estereótipos e lota de caricaturas os povos que deram origem ao Brasil? Na opinião dos senhores, a abertura à capacidade de expressão indígena como voz efetivamente participativa nas questões político-sociais brasileiras tem encontrado espaço verdadeiro, legítimo? (Mara Vanessa Torres)
Raoni – Existe preconceito, mas só se os índios defenderem e preservarem sua cultura, sua língua, seus costumos, só assim os brancos vão respeitá-los. Se os índios se misturarem com a cultura do branco, perderem seus costumes, sua língua, aí os brancos não vão respeitá-los mesmo. 
O que é mais importante para a sociedade indígena: preservar seus usos e costumes na reserva garantindo sua subsistência ou evoluir para uma sociedade moderna garantindo trabalho e renda, dentro de sua cultura, para garantir uma vida melhor para seus descendentes?  (Francisco Cezar Dias)

Até onde a globalização é boa para os indígenas? (Felipe Azevedo)
Como vocês fazem para tentar manter os costumes, tradições e crenças do seu povo com tamanha diferença cultural da comunidade que vivemos? As mudanças são bem aceitas no sentido de progresso ou são vistas como uma ameaça de mudar a tradição? (Erika Siqueira Vaz)
Gostaria de saber do cacique Raoni se ele tem conhecimento das redes sociais e se uma mobilização efetiva nessas redes poderá realmente contribuir para a construção de um país mais justo para todos e diminuir o abismo invisível que existe entre os povos desta nação. (Raoni Nogueira)

Megaron – É importante preservar sua cultura, seus costumes e hábitos, mas a interferência da vida moderna é inevitável. Hoje os índios usam internet, celular etc. É importante porque também nos ajuda a nos comunicarmos, a nos mobilizarmos para defender nossos direitos. Mas tudo isso influencia nos hábitos e costumes tradicionais.  
As mudanças são bem vistas, hoje os índios usam de tudo, se mobilizam, mas elas são uma interferência grande nos hábitos e costumes tradicionais. Eu não sei usar nada dessas coisas (internet), mas os jovens todos eles usam. Eu uso meu celular a todo o momento. 
Raoni – Eu não entendo muito disso. Os mais jovens que conhecem e mexem nessas coisas. Mas nós ficamos sabendo que muitas pessoas usam a internet e se mobilizam pela nossa causa. 
Tendo em vista a falta de fiscalização das terras destinadas aos índios e a perda de parte do seu legado cultural, quais medidas vocês esperam que sejam tomadas pelas autoridades brasileiras no sentido de preservar o que ainda lhes resta? (Anderson Silva)
Megaron – É muito importante continuar a demarcar e homologar as terras indígenas, e impedir que madeireiros, garimpeiros e outras pessoas invadam as terras. A gente luta contra essa nova lei que está circulando que quer diminuir nossas terras e permitir o garimpo em terras indígenas.  
A homologação da terra Kapot Nhinore já foi dada por parecer de antropólogos que realmente é uma terra tradicional de uso indígena, e por isso o MP está acompanhando o caso de porque está demorando a sua efetivação. Muita gente já lutou pela demarcação dessa terra, alguns até já morreram, eles respondem que tá na fila...mas sabemos que o relatório de antropólogos já deu parecer favorável....estamos aguardando.
Como o senhores se sentem em relação à demora pela demarcação da Terra Indígena Kapot Nhinore? (Michelle Carlesso)
Megaron – A homologação da terra Kapot Nhinore já foi dada por parecer de antropólogos que realmente é uma terra tradicional de uso indígena, e por isso o Ministério Público está acompanhando o caso, apurando por que está demorando a sua efetivação. Muita gente já lutou pela demarcação dessa terra, alguns até já morreram, eles respondem que isso está na fila... mas sabemos que o relatório de antropólogos já deu parecer favorável....Estamos aguardando.
Raoni – Trata-se do futuro do povo kayapo. Não sei o que vai acontecer com meu povo. Não sei se eles vão continuar lutando pelos seus direitos e se eles vão manter seus costumes como nós fizemos. Mas gostaria que eles continuassem lutando. E, quando nós lutamos para manter nossos costumes e língua, o homem branco respeita a gente. 
Megaron, Raoni, como o Governo do Estado de Mato Grosso vem tratando os povos indígenas? Existe respeito? (Darlei Lopes)
Megaron – O governo do Estado do Mato Grosso e os políticos não aceitam muito a demarcação de terras indígenas e não querem que a Funai demarque terras que eram ocupação tradicional dos índios. 
O que pensam sobre a exigência de implementação de pesquisas arqueológicas que melhor determinariam e definiriam a história e vida dos povos indígenas no Brasil? O que se aprende atualmente nas escolas sobre estes mais importantes habitantes lhes confere o respeito que merecem e a importância que têm? Que pesquisas e estudos há com o intuito de descobrir e preservar a história indígena de nosso país? (Marcia Aydos)
Megaron – O que se aprende na escola hoje sobre os índios é muito pouca coisa. A maior parte da população brasileira não conhece a língua do índios, suas tradições e suas etnias. Se houver pessoas interessadas em aprender e pesquisar essa parte de antropologia e arqueologia, seria muito importante para comprovar que realmente os índios ocupam essas terras há muito tempo. Assim, mostraria que essas pessoas que falam que as terras não são nossas estão mentindo.


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