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quarta-feira, 20 de julho de 2011

"A União Gay e a Grandeza do Casamento"

Des. Valério Chaves

Com a vigência da recente e polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a união estável entre casais do mesmo sexo (homossexuais ou lésbicas), abrangendo o complexo de direitos de cunho pessoal com os mesmos direitos que um casal heterossexual, o conceito de família sofreu radical transformação no vigente sistema jurídico brasileiro.

Vista como forma de adequação dos chamados direitos das minorias às transformações sociais deste começo do século XXI, a decisão do STF agita o debate jurídico, suscita perplexidade dos moralistas, confronta preconceitos e radicaliza posições inflexivelmente contra de setores religiosos, a exemplo do que ocorreu com a proposta de GABRIEL FERREIRA regulamentando o concubinato em 1917, quando da elaboração do Código Civil.

Para alguns críticos mais afoitos, as digressões da Suprema Corte, sobre o tema, além de representar o que os juristas denominam de “ativismo judicial” (à margem de emenda constitucional), agridem padrões mínimos de moralidade e bons costumes, sendo ao mesmo tempo de duvidosa constitucionalidade e contrária à lei civil em vigor, que admite justa reparação, sem necessidade de se criar um título sucessório com o casamento legal entre casais do mesmo sexo.

Nesse aspecto, a despeito das respeitáveis posições em contrário, percebe-se, sem muito esforço intelectual, que a intenção dos ministros do STF declarando “invioláveis o direito à intimidade, a vida privada, à honra e a imagem das pessoas” (art. 5º, X, CF), não foi afastar o Direito Civil das realidades sociais de seu tempo, e sim procurar, à luz de princípios constitucionais, soluções práticas voltadas aos Direitos Fundamentais do Homem referidos na resolução histórica da ONU, aprovada no dia 17 de junho de 2011, com aval do Brasil, destinada a promover a igualdade dos seres humanos, sem distinção de orientação sexual.

Pelo que se sabe, tanto a decisão do STF como o projeto de Lei nº 1.151/95, de autoria da ex-Deputada Marta Suplicy dispondo sobre a união entre pessoas do mesmo sexo, não visam legalizar o casamento civil de homossexuais ou lésbicas, mas basicamente compatibilizar o exercício de direitos e deveres de uma minoria às exigências sociais de um mundo cujas fronteiras simbólicas se apresentam cada vez mais permeáveis.

Afinal de contas, direitos não se estabelecem nem se medem pela forma do comportamento sexual de indivíduos que convivem debaixo do mesmo teto, dormem no mesmo leito e remoem os mesmos dramas do cotidiano. A essência do direito se efetiva a partir do momento em que é visto e exercitado como instrumento de promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, religião, cor da pele ou orientação sexual.

De qualquer forma, o tema pela magnitude de suas repercussões de ordem moral, ética, jurídica e psicológica, deve ser colocado em termos de serena solução para não atentar contra essa “grandeza do casamento”, que é fusão de almas e bens, na definição do ministro Pereira Lima (Rev. Int. Legislativa, pág. 110).

Não basta afirmar que a legalização da união gay é inconstitucional, imoral ou agressiva à família formada pelo casamento civil entre um homem e uma mulher como instituição secular originária do Criador do Universo (Gênesis, 1.27-28), tampouco que os ilustres ministros assumiram papel do Congresso Nacional.

É preciso, antes de tudo, penetrar na conjuntura humana sem omitir realidades e ponderar a complexidade e compatibilização no exercício de direitos, liberdades e deveres das pessoas, quando está em curso uma reestruturação histórica da cidadania.

É certo que nenhum preconceito poderá ser renunciado radicalmente apenas por mostrar a estupidez de suas crenças. Porém, frente ao fenômeno da sexualidade quase universal, a arma que devemos usar contra ele é o desprezo por tudo aquilo que determinados grupos sociais discordam em relação à individualidade de cada agente social.

É preciso, enfim, enxergar as relações afetivas entre iguais, não como uma situação imoral ou uma degradação da família tradicional, mas como uma incontestável realidade fática e jurídica de efeitos positivos diante da consciência coletiva.

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