Apesar da falta de estatísticas oficiais, estima-se que 12% dos habitantes de Teresina são dependentes de algum tipo de droga. Das drogas lícitas, como o álcool e o cigarro, às mais devastadoras, como o crack, o aumento do consumo se transformou num problema de saúde pública, que necessita do envolvimento de toda a sociedade. Só para se ter uma idéia da dimensão do problema, há 280 pessoas na fila de espera da Fazenda da Paz, a primeira entidade do Piauí a trabalhar com a dependência química.
Hoje, a entidade possui 127 internos, apesar de ter capacidade para 300. A explicação para o não preenchimento das vagas é simples: não há dinheiro para custear a internação dos dependentes. De acordo com o coordenador da instituição, Célio Luiz Barbosa, cada interno custa R$780. A prefeitura e o Estado, juntos, garantem recursos para manter 80 internos. "Estamos entrando com o pedido para que cada um deles - Estado e prefeitura - aumente pelo menos mais 30 vagas. Temos capacidade para 300 internos, mas a Fazenda da Paz só consegue manter 125", disse.
Célio diz que falta investimentos na área e diz ainda que Teresina não está preparada para o que vem ocorrendo. "Há seis anos o crack vem acabando com Teresina e ninguém faz nada. Cada um tem uma tese diferente e se não houver união entre as entidades o problema nunca será resolvido. A existência de uma rede de combate às drogas é fictícia", completa. O coordenador elogia a política dos CAPS (Centros de Apoio Psicossocial), mas reconhece que ainda falta estrutura para atender os dependentes.
"Os CAPS têm ajudado, mas não tem apoio. Como ele vai se manter com R$ 22 mil por mês? A filosofia é boa, os profissionais são bons, mas os CAPS ainda são carentes de muitas coisas", disse. Outro entrave apontado pelo coordenador é a falta de uma lei municipal, que emperra, dentre outras coisas, a garantia de recursos. "Tere-sina é a única capital que não possui uma política pública sobre droga. É preciso ter boa vontade do gestor", afirma Célio.
Essa minuta foi apresentada durante audiência pública que aconteceu na última sexta-feira na Câmara dos Vereadores.
TRATAMENTO - O tratamento do dependente químico na Fazenda da Paz dura no mínimo um ano. Dependendo do caso, é utilizada medicação. Porém, o foco da instituição está na oração, no trabalho, na disciplina e na conscientização. "A nossa intenção é devolver o homem para a sociedade sem dependência nenhuma. Trabalhamos a espiritualidade para devolver a dignidade ao indivíduo. Só usamos medicamentos em casos necessários. Acredito que uma droga não cura outra, só ajuda a amenizar uma situação".
Além da "invasão" no crack, pelo menos uma mudança positiva foi identificada nos últimos anos. Agora os próprios dependentes é que procuram tratamento, quando anteriormente era a família que buscava ajuda. Os dependentes deixaram de ter um perfil, já que a droga alcança qualquer nível social, independente de idade. Hoje a Fazenda da Paz atende jovens e adultos do sexo masculino de 12 a 58 anos e não há nenhum alcoólatra entre eles. A maioria dos homens atendidos usou o crack, considerado o "fim do poço".
No interior do Piauí, Célio diz que a dependência se instala entre aqueles que deixam o Estado para trabalhar fora, a exemplo dos que saem para trabalhar no corte da cana. Longe de casa eles experimentam o crack e quando retornam fazem de tudo para conseguir a droga. A internação nem sempre se faz necessária, mas a abstinência sim.
"Se não tiver abstinência não funciona. Trabalhamos na reorganização do indivíduo. A recuperação está dentro da gente, tem que ter auto-conhecimento. Com a droga se perde o controle das ações e é preciso resgatar isso".
Com o crack se perde a referência de bem e de mal e o viciado faz de tudo para conseguir a droga. "De dois em dois minutos ele está fumando. É mais fácil comprar uma pedra de crack a uma água de coco". Célio não desconsidera a importância da prevenção, mas diz que a cidade necessita de pelo menos cinco entidades para atender a demanda.
"Cheguei a usar crack pelo desespero"
Diego Viana, hoje com 23 anos, tinha apenas 12 quando teve o primeiro contato com as drogas. Foi entre os colegas de escola que ele conheceu a maconha e também o álcool e o cigarro. Com o passar do tempo, Diego procurou outras drogas e foi em uma dessas buscas que conheceu a cocaína, uma droga mais "discreta", mais cara e mais fácil de esconder da família.
Depois vieram as drogas injetáveis e aquelas em comprimido, a exemplo do ecstasy. Com 16 anos, Diego não conseguiu mais esconder o vício da família e uma sucessão de conflitos começaram a acontecer. "Encontraram droga nas minhas coisas. Minha família se desestruturou. A partir daí fiquei mais ausente e só voltava para casa para roubar. Conheci o crack na rua, foi quando conheci a decadência", relata.
Em um ano e oito meses usando o crack Diego diz que foi nesse período que se destruiu. "O crack demorava até 15 segundos para agir no cérebro, mas assim como o efeito vinha rápido logo ele ia embora. Cheguei ao ponto de usar sem querer, só pelo desespero", conta.
Foi a partir daí que Diego viu que o tratamento era necessário e urgente. Ele procurou a Fazenda da Paz, onde ficou internado 1 ano e dois meses. Ele diz que os três primeiros meses foram os mais difíceis. "A droga era meu refúgio. Na Fazenda eu estava lhe dando com algo desconhecido, já que não obedecia mais nenhuma regra. Tive que reaprender tudo", diz. Ao terminar o tratamento, Diego optou por não sair da Fazenda da Paz e se tornou conselheiro em dependência química.
Hoje ele é coordenador do Núcleo de Apoio aos Toxico-mas e Alcoolatras (NATA). O mais gratificante para ele é poder ajudar quem chega à entidade em busca de apoio para deixar a dependência. Diego se identifica em cada um dos jovens que ele tem contato e diz que sua recuperação é diária, que o trabalho o fortalece e o ajuda a se manter longe das drogas há quatro anos.
CAPS atende mais de 300 pessoas por mês
O único CAPS AD (Álcool e Drogas) de Teresina atende uma média de 300 pessoas todos os meses. O Centro é a porta de entrada para os dependentes que, são submetidos ao tratamento e às terapias durante o dia e à noite retornam para casa. É através do CAPS que eles são encaminhados, quando necessário, para a internação provisória. O médico psiquiatra Mauro Passamani, que atua no CAPS, diz que o álcool e o crack são as drogas mais comuns entre os dependentes.
"Antes o número de alcoolistas era bem maior, mas agora o crack está aumentando. Apesar de não termos estatísticas, estamos sobrecarregados. A demanda aumentou muito", destacou. Em relação ao álcool, o médico diz que o dependente vai aumentando o número de doses para ter o efeito esperado. Inicialmente isso é motivo de elogio. "As pessoas dizem fulano bebe muito e não fica bêbado ou então dizem que uma mulher bebe como um homem, quando na verdade esse é um sinal da dependência", esclarece.
Os sinais físicos vêm em seguida, como mal estar gástrico e vômito. Aliado a isso vem os sinais da abstinência, como os tremores. Depois surgem os sinais mentais, marcados por alucinações auditivas e visuais. "A pessoa pensa que tem alguém a ameaçando e chega a ver bichos andando sobre a pele. A partir daí começam os problemas com a família e vai se estender ao trabalho. A última condição é o comprometimento social, onde as pessoas não querem mais conviver com o alcoolista", explica.
O psiquiatra explica que o álcool é um falso estimulante. Ele diminui a ansiedade num momento inicial e depois deprime o sistema nervoso a nível central. Quem tem predisposição à depressão acaba se aproximando do problema quando o consumo de álcool se torna freqüente.
Em relação ao crack, o médico diz que o efeito inicial da droga dura de 5 a 20 minutos, mas depois isso passa a ser imperceptível. "O dependente passa a perceber mais a fissura da próxima pedra. Ele está em busca daquele primeiro efeito, que nunca mais vai sentir", explica. No geral, quem usa a droga por quatro ou cinco vezes já se torna dependente, porém há relatos de pessoas que se viciaram já na primeira vez.
"É uma droga devastadora. A fissura faz com que o indivíduo, se não for interrompido, vá em busca da droga. Todos os seus conceitos morais se perdem". O usuário de crack, bem como de outras drogas como a cocaína, desenvolve problemas mentais caracterizados principalmente pelas psicoses. "Enquanto estão usando a droga eles ficam com a 'nóia' de que a polícia vai chegar a qualquer momento. Aos poucos vão se tornando mais agressivos e tarefas comuns do dia a dia são comprometidas", completa. Mauro Passamani defende a ampliação no número de leitos para desintoxicação de dependente
s químicos. Recentemente, o hospital do Mocambinho, na zona Norte, passou a destinar dez dos seus leitos para tal. "Não são suficientes, mas já é um começo quando não se tinha nada. A questão ainda é tratada com preconceito pela própria classe médica, que acredita que deveria ter um hospital específico para tratamentos".
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