Casamento é opção, não prisão perpétua.
Recasar não é começar de novo, mas continuar na mesma estrada
O que todo mundo já sabia, por si só ou pelos amigos e parentes, acaba de ser comprovado pelo IBGE. Os divórcios e os recasamentos bateram recorde no Brasil no ano passado. Não é só porque estamos mais inquietos e egoístas, menos tolerantes com o outro, mais ansiosos para buscar a felicidade, mais abertos a desejos e fantasias, menos dispostos a engolir os sapos de uma relação que não deu certo – ou deu certo durante um tempo.
Que seja infinito enquanto dure, dizia o poeta. E, para 243.224 casais brasileiros no ano passado, o divórcio abriu caminho para uma solteirice temporária ou uma nova união. O “até que a morte os separe” deixou de ser uma bênção. Amedronta. Alguns noivos pedem que se pule essa parte no sermão. Casamento é opção, não prisão perpétua. Recasar não significa começar de novo, mas continuar na mesma estrada.
A mudança na lei arejou os costumes. Até 2009, o divórcio só era possível após um ano de separação judicial ou dois anos de separação consumada, quando homem e mulher não estão mais juntos, mas são considerados ainda casados pela Justiça. Se não há filhos menores ou disputa, agora é possível descasar em minutos, é instantâneo como uma injeção, às vezes dói, às vezes alivia a dor.
Se o amor foi um dia verdadeiro, o divórcio entristece por um tempo, produz manchas roxas na alma. O consenso é uma forma civilizada de continuar amigos, quando um quer mais se separar que o outro. Não sei se estão todos mais felizes. Alguns sim, outros não. Há viciados em recasamentos. Filhos sofrem, sim, com essas mudanças de parceiros. Sofrem mais se os pais brigam e continuam infelizes e resignados até se ver a sós de novo e se divorciar aos 60 anos.
Percebo na nova geração uma vontade romântica de provar aos pais modernos que o casamento pode durar tanto quanto o dos avós, para sempre. Mas há também uma turma apressada que se junta sem se conhecer e acaba separando em um mês ou seis meses. São uniões relâmpagos que ensinam no tranco. O casamento, por amor ou fantasia, sempre serviu de atalho para a maturidade. Hoje, muitos jovens não têm mais ideia das concessões que uma união exige. Não aprendem porque não veem mais isso em casa. O núcleo familiar se diluiu, o convívio deixou de ser regular ou forçado. As relações são mais libertárias, mais pressionadas pelo trabalho de pai e mãe fora de casa. Não acho hoje mais fácil ou mais difícil manter um amor ou educar os filhos direito. Sempre foi complicado. Mas o sacrifício em nome das aparências, tão típico das famílias classe média de Nelson Rodrigues, parece não fazer mais sentido.
Não tenho nenhum amigo ou amiga que ainda esteja no primeiro casamento. Eles e elas estão no segundo, terceiro ou quarto casamento. Alguns têm filhos de várias uniões. Outros estão solteiros. Ou estão com alguém, mas em casas separadas. A credulidade e o ceticismo com o casamento variam com a experiência, as crenças e o temperamento. Nunca vi qualquer sentido em casamentos oficiais, documentos assinados, compromissos públicos firmados ou juras no altar. Não creio na regulamentação dos sentimentos. Nunca sonhei em casar de branco ou de charrete. Não me considero menos romântica por causa disso. Adoro rever Notting Hill, com Julia Roberts e Hugh Grant, e me emociono com declarações de amor.
Não casei no papel, nunca dei festa, mas tive dois filhos, de dois homens que eram meus amores e com quem eu dividia casa, cumplicidade, projetos e esperanças. Acho rica e emocionante a experiência de morar junto quando se gera um filho. Prefiro relações estáveis a ser freelancer. É um privilégio estar apaixonada. Namoro há 20 anos o mesmo homem, cada um em sua casa. Nunca pensamos em morar juntos. Achamos impossível conciliar o encantamento à convivência obrigatória. Temos medo das cobranças, desrespeitos e ressentimentos que envenenam tantos casais. Os namorados não estão imunes ao desgaste do tempo, mas se protegem melhor. É raro encontrar casais felizes há muito tempo juntos – mesmo entre os que recasam. Claro que eles existem. É preciso ter sorte, criatividade, paciência, muito amor e tesão.
O psicanalista britânico Adam Phillips, autor de Monogamia, disse ao jornal Folha de S.Paulo que “amamos e odiamos um casamento feliz”, porque ele nos confronta com nossos desejos e nossas frustrações. Para Phillips, uma das raízes clássicas de conflito é o que os casais pensam da infidelidade eventual. “Todo mundo tem ciúme sexual, ninguém suporta dividir seu parceiro de sexo, isso é impossível”, diz ele. “Mas o perigo é a monogamia acabar com o desejo e virar uma prisão.” Eu, pessoalmente, não acredito na fidelidade eterna. A não ser que casemos aos 65 anos.
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