O Brasil tem algo a comemorar. Falta apenas uma semana para o fim de uma campanha repleta de baixarias, agressões e mentiras. O triste episódio na Zona Oeste do Rio, em que uma turba de petistas encurralou, intimidou e jogou objetos em José Serra, foi seguido de incidentes ridículos. Serra, sem lesão aparente, fez tomografia no hospital. Uma rede de TV reduziu tudo erradamente a uma bolinha de papel. E Lula propagou a versão fantasiosa como se fosse mero militante.
Qualquer que seja o resultado da eleição presidencial – e as pesquisas apontam claro favoritismo de Dilma Rousseff – , o país despertará no dia 1º de novembro com uma ressaca cívica. Tentaremos esquecer muitas cenas do segundo turno: a politização reles do aborto e da religião, o populismo escancarado dos programas eleitorais, as acusações vazias de sentido, a manipulação vil de números, os debates enfadonhos. E os dois candidatos se fazendo de vítima.
A radicalização produziu fanáticos de lado a lado e foi insuflada em grande parte por Lula, que voltou à carga nos últimos dias com palavras de ordem contra “os inimigos do Brasil”, que “querem vender o país”. Quando se comemorou o segundo turno, a ideia era que os dois candidatos ganhassem tempo para apresentar melhor seus programas de governo. Não foi o que aconteceu.
A confusão da quarta-feira no Rio de Janeiro foi a tradução de rua de uma campanha fraca, contaminada por um ódio burro. É inadmissível que um candidato à Presidência seja impedido de caminhar, hostilizado e acuado por um grupo do partido adversário. Se um bando de militantes tucanos tivesse jogado no rosto de Dilma bolinhas e rolos de adesivos, empurrando-a para dentro de uma loja, pode-se imaginar a fúria de Lula? No início do primeiro turno, Lula criticou a rispidez de perguntas feitas a Dilma na televisão. Disse que “esperava mais delicadeza pelo fato de ser uma mulher”. E se sua candidata fosse obrigada, por um grupo do PSDB, a interromper seu ato público por medo? O que diria o presidente?
O presidente Lula propagou a versão fantasiosa da agressão a Serra
como se fosse um mero militante
Se alguém arremessou, no dia seguinte, de um apartamento em Curitiba, balões de água na direção de Dilma durante carreata, foi obra de uma pessoa, e não uma ação de um partido. Lembram-se dos sapatos que um jornalista iraquiano lançou sobre o americano George W. Bush? Uma miniatura de catedral abriu o rosto do italiano Silvio Berlusconi, quebrando-lhe alguns dentes. O inglês Tony Blair levou ovos recentemente. Todos atos isolados, individuais. Políticos estão sujeitos a esse tipo de reação extremista e extremada. Mas o que aconteceu em Campo Grande, região pobre do Rio de Janeiro, foi outra coisa. Lula deveria ser o primeiro a condenar a violência gratuita, em vez de contra-atacar de maneira primária.
Ninguém é santo nessa história. A bolinha de papel primeiro quicou inocentemente na careca lisa de Serra. O rolo de adesivos, jogado 15 minutos depois, aparentemente doeu. Uma pedra atingiu uma repórter daFolha de S. Paulo. Nada disso deveria ter levado Serra a cancelar todos os seus compromissos e a fazer uma tomografia no hospital. Não havia nenhum ferimento, nenhuma lesão aparente, como confirmou o médico que o examinou, Jacob Kligerman. Mesmo que tenha ficado tonto e amedrontado, seu partido exagerou na reação.
Pior foi o discurso indignado de Lula, que chamou de “farsa” e “mentira descarada” a versão de Serra. Lula comparou o tucano ao goleiro chileno Rojas, que simulou ter sido atingido com um rojão no jogo contra o Brasil, no Maracanã, em 1989, com o intuito de suspender a partida. Lula apoiou-se apenas na bolinha de papel e ignorou o que se passou na realidade.
Estamos diante de uma avalanche de equívocos. E todos desrespeitam o eleitor. O PSDB menospreza nossa inteligência quando diz que essa arruaça de pit bulls petistas ameaça a democracia brasileira. A França mergulhou na semana passada em greves e protestos violentos contra a mudança na idade da aposentadoria – e ninguém insinuou que a democracia francesa esteja em risco.
Que bom. Falta só uma semana.
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