Se o mundo fosse perfeito, minha amiga estaria em casa, chorando no sofá. Ou se hospedaria num hotel à beira da praia, que convidasse a longas caminhadas vespertinas. Acho que ela também gostaria de ficar ao pé de uma montanha mineira, numa casa com varanda, onde pudesse tomar chocolate quente várias vezes ao dia e ler quieta, bem quietinha, enrolada numa manta.
Mas, sendo o mundo como é, minha amiga tem de trabalhar. Tem de exibir, a dois metros do chefe, seus olhos inchados de choro, suas olheiras de quem não dorme direito há dias. Ela terminou um namoro de anos, mal consegue respirar, mas está de emprego novo e precisa, desesperadamente, mostrar serviço – ainda que chorar no banheiro seja a única coisa que ela realmente é capaz de fazer por estes dias.
O que vocês acham disso? Eu acho uma droga.
Tendo estado algumas vezes nessa situação, sei que as crises de relacionamento são subestimadas pelo capitalismo do século 21. Como já haviam sido, aliás, pelo capitalismo do século 20. Uma gripe é justificativa aceitável universalmente para faltar ao trabalho, mas a depressão causada pelo fim de um relacionamento não é. Faz sentido? Não.
Quem viveu uma situação de rompimento sabe os estragos físicos e emocionais que essas coisas provocam. Lembro de uma amiga recebeu sem aviso prévio a notícia de que seu marido estava de mudança para a casa de outra. Ela trabalhava ao meu lado e pude vê-la definhando no trabalho, dia após dia. Foi uma espécie de agonia pública que durou meses, virou doença e quase terminou em cirurgia.
Não acontece só com as mulheres, claro. Lembro de um colega que levou um pé na bunda por telefone uns dias antes de uma viagem de trabalho ao exterior. Lá, com frio de menos 10 graus, ele não conseguia nem comer, de tanta angústia. Voltou da viagem ainda pior do que saiu, realmente deprimido, vários quilos mais magro.
Acho que todo mundo já viveu uma história como essa ou testemunhou alguma coisa parecida. São dramas tão comuns quanto os resfriados. A sociedade, porém, trata as duas coisas de forma diferente.
Se o problema é físico, há consideração. Se é emocional, nem tanto. Se, por trás da crise emocional, houver um problema afetivo, então realmente não conta. Supõe-se que os problemas afetivos não sejam sérios a ponto de interferir na rotina - embora um divórcio, na escala do stress, conte tanto como doença grave ou morte em família.
Há certa esquizofrenia nisso.
A nossa tradição exalta o romance, mas não percebe o seu término como um ato grave. A alegria pelo casamento é celebrada de forma pública, inclusive com folga no trabalho, mas o luto pelo fim do casamento não é sequer reconhecido. A dor não tem espaço oficial no nosso meio, embora interfira, profundamente, no nosso bem estar e até na nossa saúde. Certamente derruba a nossa produtividade.
Ontem, antes de escrever, conversei com algumas pessoas sobre o ato de “trabalhar sofrendo” e percebi que há um segundo ponto de vista sobre o assunto: as pessoas acreditam que a rotina do trabalho ajuda a superar os problemas afetivos. “Melhor do que ficar em casa sofrendo”, dizem. Eu posso entender, mas não acho que valha para todas as situações e muito menos para todas as pessoas. Gosto de pensar que os nossos sentimentos têm ciclos que precisam ser vividos.
Quando estamos apaixonados, criamos ambientes e situações que nos permitam apreciar intensamente o sentimento. Fazemos viagens, passeios, jantares. Vamos a hotéis, motéis, ruas desertas. Procuramos, intuitivamente, um espaço e um tempo de aproveitamento da paixão. Criamos uma bolha que nos protege da realidade. Parece natural. Por que, então, seria diferente com a dor?
Talvez o luto pela perda – ainda que você a tenha desejado e provocado, ainda que ela tenha se tornado inevitável – também precise ser vivido intensamente. Talvez devêssemos nos isolar para sofrer como, de certa forma, nos isolamos para gozar. Talvez assim a dor durasse menos e não nos trouxesse as consequências graves e duradouras que às vezes traz.
No afã de nos livramos do sofrimento, metemos a cara no trabalho e, muitas vezes, saímos mancos da experiência. Tenho a impressão de que as nossas dores mal curadas – como os proverbiais resfriados da infância – retornam mais fortes e mais perigosas.
Mas essa é apenas a minha opinião.
Haverá um monte de gente para explicar que a economia não suportaria o peso dos nossos afetos mal sucedidos. Deve ser possível demonstrar, numa planilha, que a competitividade nacional despencaria se os brasileiros fossem sofrer em casa, em vez de fazer isso na fábrica ou na mesa de operações do banco. Mas eu, francamente, não dou a mínima.
Se estivesse em meu poder, mandaria a minha amiga para casa. Poria ela no sofá diante da janela, com um chocolate fumegando ao alcance das mãos e diria: se precisar, telefone. Tenho certeza de que ela estaria melhor na casa dela, sozinha, do que a dois metros do chefe, com os olhos vermelhos e o coração aos pulos, tendo que fingir que está tudo bem. Tudo bem, uma ova.